sábado, 20 de setembro de 2008

A vida longe de casa

William Costa para o Norte, 13 de julho de 2006)(Livro da antropóloga Bernadete Beserra revela o drama dos imigrantes brasileiros nos Estados Unidos. William costa Editor do Show. williamcosta@jornalonorte.com.br)


A questão da emigração de brasileiros rumo aos Estados Unidos é um problema social dos mais graves na história contemporânea dos dois países. Cativados pelo sonho de prosperidade econômica, centenas de patrícios colocam a vida em jogo tentando burlar os rígidos e sofisticados sistemas de controle de imigração estadunidense, principalmente após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Poucos são os que conseguem, se comparado com as muitas mortes, prisões e deportações. Mas a persistência é contínua, e o caldo literário e sociológico engrossa de tanto condimento trágico. O assunto seduziu e comoveu a antropóloga e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Bernadete Beserra, transformando-se em tema do livro Brasileiros nos Estados Unidos: Hollywood e outros sonhos. A obra foi publicada, inicialmente, nos Estados Unidos, onde despertou interesse por seu caráter pioneiro, e, hoje, será lançado, às 19h, na Fundação Casa de José Américo, na avenida Cabo Branco, 3336, com a presença do editor das Edições UFC, Luiz Falcão Lordelo. A autora e sua obra serão apresentados pelos professores Maria Cristina de Melo Marin e Fábio Henrique Souza.

Brasileiros nos Estados Unidos é considerado um livro inovador, especificamente por ser um dos raros trabalhos produzidos por brasileiros que estudam outros países. No livro, Bernadete apresenta um estudo original da imigração brasileira nos Estados Unidos, trazendo à lume conexões entre os fluxos migratórios e a expansão imperialista americana no Brasil. A partir de pesquisa etnográfica realizada com brasileiros residentes em Los Angeles, ela revela que é o contato direto ou indireto com a cultura americana que cria o sonho, ou melhor, a necessidade de viver nos Estados Unidos.

A tese principal do livro, segundo Bernadete, é a de que os brasileiros, assim como outros cidadãos de nacionalidades diversas, migram para os Estados Unidos em conseqüência da aculturação produzida pela expansão do imperialismo americano no Brasil e no mundo. A autora alerta, no entanto, que esta não é uma conseqüência apenas abstrata."A expansão do imperialismo exige a criação de redes efetivas entre os Estados Unidos e os outros países. No meu livro, eu estudo as redes produzidas pela expansão do adventismo do sétimo dia no Brasil e o fluxo migratório para os Estados Unidos decorrentes disto", acrescenta.

Outro fator muito importante explorado pela autora diz respeito à instituição do casamento de americanos com brasileiras, o que ela chama de "imperialismo científico", caso daqueles, como ela mesma, que vão buscar qualificação e, finalmente, o caso de Hollywood, provavelmente um dos mais efetivos no sentido de difusão do American way of life. "A minha tese, portanto, afirma que é o contato direto ou indireto com a cultura americana que cria o sonho ou a necessidade de migração e não apenas a crise econômica brasileira ou necessidades exclusivamente econômicas do imigrante", completa.

O fato preponderante que levou Bernadete a se interessar pela questão da emigração de brasileiros para os Estados Unidos foi a sua própria experiência de estudante de doutorado que a levou a indagar sobre as dificuldades gerais da integração imigrante brasileira naquele país. "No início é um sofrimento muito grande, a exemplo da língua que não dominamos, e mil outros aspectos de um modo de vida diferente do nosso que precisamos aprender. A atração/rejeição inicial é muito grande. Então, tudo isto era tema de conversa constante na minha família e entre amigos do Brasil e de outros países", esclarece.Bernadete revela que foi relativamente fácil eliminar os rigores do texto acadêmico para tornar o livro acessível ao público leigo, pois, em geral, escreve com facilidade. Ela está acostumada ao público de jornais porque escreve crônicas ou ensaios políticos eventuais para o jornal O Povo e outros periódicos. "É possível que aqui e ali o leitor leigo tenha alguma dificuldade. Por exemplo, quando explico a economia política da migração e integração imigrante no mundo de hoje. Mas já tenho vários exemplos de pessoas que não têm nada a ver com a área e que leram e entenderam tudo muito bem", diz.

Outro artifício narrativo utilizado por Bernadete para tornar atrativa a leitura de Brasileiros nos Estados Unidos pelo público menos familiarizado com o texto acadêmico foi excluir as partes que ela considera "mais chatas" de demonstração de algumas teorias que propõe e desenvolve ao longo de sua tese. "Trata-se de material obrigatório numa tese de doutorado - prossegue -, mas completamente desnecessário para um livro que eu pretendia que circulasse com uma amplitude maior e que ajudasse a divulgar uma perspectiva menos de senso comum sobre o assunto".

Artigos e ensaios de estudiosos da migração em massa para os Estados Unidos dão conta de que o empresariado estadunidense apóia a imigração ilegal, pois, assim, teria acesso à uma mão-de-obra mais barata. Na contramão desse pensamento, Bernadete diz que o empresariado americano - carente do tipo de mão-de-obra ofertada pelo imigrante - se submete a conviver e lançar mão da mão-de-obra de trabalhadores "ilegais" porque não há um programa ou lei de imigração que permita que entre trabalhadores no país na quantidade demandada pelo mercado de trabalho. "Só neste sentido eles a apóiam", destaca.

Bernadete diz que há muitas formas de entrar nos Estados Unidos sem documentos, como a novela "América" (exibida pela Rede Globo) mostrou: através dos coyotes e cruzando o deserto e o Rio Grande (que separa o México dos Estados Unidos) ou dos balseiros via Caribe."Mas, entre os brasileiros que estudei, o mais comum era entrar com visto e continuar lá depois do visto expirado. Um caso interessante é o dos descendentes de italianos que têm direito à cidadania italiana e entram nos Estados Unidos com passaporte da comunidade européia", comenta.As dificuldades enfrentadas pelos sul-americanos para encontrar aceitação social no novo país, na opinião da antropóloga, são imensas.

Ela ressalta que a sociedade industrial, capitalista, urbana, dos Estados Unidos, da França ou do Brasil, desenvolveu forte preconceito por tudo que não é urbano, rico e moderno. "Assim, há um preconceito geral, tanto lá quanto aqui, contra tudo que é pobre, subdesenvolvido e atrasado. E é assim que tanto o Brasil quanto toda a América Latina são classificados. É o caso da visão do Nordeste pelo Sudeste aqui, no Brasil", compara.De um ponto de vista predominante, Bernadete diz que os brasileiros sãos vistos como inferiores, inclusive pelo fato de também serem mestiços, uma vez que a ideologia racial dominante nos Estados Unidos, apesar de todo um trabalho desenvolvido por organizações não-governamentais em nível mundial, é a da pureza racial, fato que, na análise da autora de Brasileiros nos Estados Unidos, se contrapõe à excessiva valorização da raça branca, de origem anglo-saxônica."Então, em geral, comparo o preconceito contra o latino nos Estados Unidos com o exercido contra nordestino no Brasil. É semelhante", enfatiza.

Enfrentar questões como a enorme saudade que os imigrantes sentem do Brasil, agravada pelo rompimento das relações familiares e de amizade e pelas conseqüências do profundo choque cultural, na opinião da antropóloga, depende muito da classe social de que são oriundos aqui no Brasil e de como se integram às esferas sociais dos Estados Unidos. Ela explica que alguns brasileiros, principalmente os mais pobres, sonham a vida inteira em voltar para o Brasil, mas não o Brasil real, que eles deixaram, mas um Brasil fictício que eles constróem para sobreviverem.No caso particular de Bernadete, a maior dificuldade foi sobreviver sem falar fluentemente o inglês, no início. Ela lembra que sofria demais por não poder se expressar com a mesma fluência com que se expressa na língua materna. O forte senso de individualidade e privacidade do americano também a assustou. "Sentimo-nos rejeitados, até entendermos que é assim que eles funcionam. Senti falta do contato que temos aqui, onde falamos com o outro tocando. Da nossa paquera cotidiana também. Depois vamos descobrindo as várias formas como eles também paqueram e como demonstram as suas emoções", confessa.Morar nos Estados Unidos foi uma das experiências mais radicais que Bernadete experimentou, embora tenha adorado ter aprendido a sobreviver numa cultura tão diferente. E não apenas pelo idioma, como também pela cultura protestante-calvinista que, segundo ela, ensina a assumir responsabilidade pelo que se faz e não transferir toda a responsabilidade para Deus ou para os governantes. "Descobri que há aspectos da cultura americana, como a pontualidade e a ética do trabalho, que prefiro à impontualidade brasileira e ao desrespeito e exploração selvagem do trabalho no Brasil", conclui.

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