sexta-feira, 26 de setembro de 2008

José Leite Netto

a Hollywood e os outros sonhos de Bernadete Beserra

(originalmente publicada no Overmundo. http://www.overmundo.com.br/overblog/critica-sobre-o-livro-de-bernadete-beserra)

Com uma linguagem direta e ensaística, na primeira pessoa, comparo a linguagem de Bernadete Beserra com a linguagem de Isak Dinesen, pseudônimo de Karem Blixen. Mas isso me faz cair num abismo, mesmo porque uma trata da experiência na África em seu livro “Sombras na Relva”, enquanto a outra, Bernadete Beserra trata da desigualdade e da luta de brasileiros que vão aos Estados Unidos em busca de um “conto de fadas”.

O livro “Brasileiros nos Estados Unidos, Hollywood e outros Sonhos” desmistifica o tabu do sonho americano. Tratando, palmo a palmo, a realidade de brasileiros numa “luta de espada” entre brasileiros e americanos. Um choque de culturas, a luta do Terceiro mundo, os valores e a hierarquização e racismo do primeiro, e a vontade (saudade) da terra natal – Brasil. É no seu próprio êxodo e experiência como estudante que a autora lança o seu olhar crítico ao sonho americano. E é também na sua “objetivação” antropológica onde encontraremos a sua avaliação social, dando base para o desenrolar do livro.

O livro, com sua linguagem empolgante, faz com que o leitor esqueça que esta debruçado sobre um livro científico. É quase um livro de contos, quando a autora passa para o campo da entrevista, fazendo surgir personagens imigrantes. Bernadete Beserra esquadrinha o outro (imigrante) como um detetive, talvez, neste sentido, encontra-se o segredo da boa narrativa. Mas a avaliação e investigação é mais importante quando nos indagamos: “o que separa um povo do outro senão a língua que se fala.” Então meu caro aventureiro, o abismo se torna mais profundo. E nos relata: “Estava em um café, entrevistando um amigo brasileiro para pesquisa preliminar sobre imigração brasileira em Riverside, quando uma jovem alta, magra e branca, vestindo uma saia preta de couro, curta e apertada, estilo punk, aproximou-se perguntando em português, se éramos brasileiros. Ela tinha ouvido partes de nossa conversa. Respondi sim e lhe falei sobre minha pesquisa perguntando se ela não conhecia outros brasileiros. Ela disse: “ eu acho que minha tia Lúcia seria muito importante para sua pesquisa, porque ela conhecia mais de cem brasileiros por aqui.”É nesse tom de prosa que a autora cativa o leitor do início ao fim, há momentos tristes como o caso de uma professora do ensino médio que abandona o Brasil para trabalhar de domestica.

A xenofobia está presente e bizarra nos relatos da primeira entrevista com a imigrante Marta, presidenta do grupo de brasileiras, que diz não entender como ainda se pode viver no Brasil devido à tamanha violência e miséria e chega a criticar os surfistas que, segundo a mesma, vão a Califórnia não para construir o sonho americano, mas sim, para explorar a América. Acrescento que este que hoje escreve praticou surfe durante 20 anos e o único interesse dos surfistas na Califónia são as boas ondas. Esse é só um caso dos tantos que Bernadete vai desenrolando nas entrelinhas do livro que ora me debruço.

Revelando a americanidade dentro da cultura brasileira. A fuga etnográfica em busca do sonho longe de casa e dentro do império capitalista americano.Portanto, “Brasileiros nos Estados Unidos, Hollywood e outros Sonhos”, é um achado. Livro pra ser livro de cabeceira.

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