domingo, 20 de julho de 2008

Narrativas de imigrantes (Diário do Nordeste, 30 de maio de 2006)

Publicado primeiro no exterior, “Brasileiro nos Estados Unidos - Hollywood e Outros Sonhos”, livro da professora Bernadete Beserra (UFC), será lançado hoje, às 19h30, na Livraria Oboé. Na obra, a pesquisadora investiga o cotidiano dos imigrantes que adotaram a pátria ianque como larSeduzidos por salários robustos, o conforto do Primeiro Mundo ou motivados por novas experiências de vida, muitos brasileiros reúnem suas economias com o objetivo de migrar para os Estados Unidos. Algumas vezes, a via é legal - com passaporte regularizado e destino certo. Em outras, a travessia é clandestina, através da fronteira mexicana ou em barcos precários que aportam na Flórida.O que já rendeu enredo de “novela das oito” (“América”) ainda embala o sonho de muitos estrangeiros. Foi nesse contingente que a antropóloga Bernadete Beserra, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (Faced), encontrou fértil material de investigação. O resultado de seu trabalho pode ser conferido no livro “Brasileiros nos Estados Unidos - Hollywood e Outros Sonhos”, que a pesquisadora lança hoje, às 19h30, na Livraria Oboé.Na obra, publicada primeiramente nos EUA, Bernadete demonstra como o contato (in)direto com a cultura americana suscita o desejo de imigração. Revela também os diversos procedimentos adotados pelos brasileiros para adentrar no território ianque e as dificuldades enfrentadas pelo sul-americanos para encontrar aceitação social no novo país. Adaptação que, não raro, é seguida de uma redescoberta e revalorização do Brasil.Entre os entraves a serem superados pelos imigrantes, destacam-se o bloqueio promovido pela nova língua e a eventual xenofobia - discriminação promovida contra estrangeiros, vistos muitas vezes como ameaça. Redigido em primeira pessoa, formato pouco usual no universo acadêmico, o livro discorre também sobre as dúvidas relacionadas ao retorno à pátria de origem, a partir de reveladoras entrevistas com os protagonistas destas histórias.A própria autora, na introdução, se confessa uma das muitas brasileiras que vivenciram a experiência de residir num outro país - em agosto de 1995, chegara em Riverside, na Califórnia, para iniciar seu doutoramento, com conhecimentos apenas regulares de inglês, mas sem fluência. Durante meses, relata, os assuntos em família tangenciavam a realidade vivenciada na pátria norte-americana.Ao voltar suas indagações para os dilemas e narrativas dos brasileiros que residem nos Estados Unidos, Bernadete privilegia um contingente gigantesco, nem sempre prestigiado. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, este total está estimado em 799 mil imigrantes - 404 mil documentados e 395 mil os não documentados. Um público que tem encarado o deslocamento internacional com pretensões muitas vezes financeiras, mas também movido por outras motivações. Como descreve Bernadete, o capital econômico é muitas vezes o objetivo mais visado, mas não é o único - muitos imigrantes também buscam outros “capitais”: trocas culturais, informativas, sociais, um certo status, a reinvenção de suas identidades, novas experiências e relações.Professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ruben George Oliven aponta outro aspecto relevante na pesquisa da professora Bernadete. Segundo ele, a antropologia brasileira desfruta de reconhecimento internacional, por ser inovadora e enfrentar problemas que cientistas de outros rincões não encaram. Porém, grande parte de nossos antropólogos centra seus estudos nas fronteiras nacionais, ao contrário dos colegas estrangeiros que preferem estudar outras sociedades diferentes das suas. Em “Brasileiro nos Estados Unidos - Hollywood e Outros Sonhos”, Bernadete atinge um meio-termo satisfatório e criativo: o Brasil ainda ocupa o centro de suas atenções; mas seu desejo é entender como vivem os brasileiros radicados em outro país.Ao priorizar este enfoque, a professora permite ao leitor compreender a dinâmica social de um mundo cada vez mais globalizado, em que a presença de estrangeiros não é mais um fenômeno remoto. Simultaneamente, Bernadete contribui para desmistificar a leitura negativa que pesa sobre os imigrantes: como diz Oliven, no livro ele surge menos como um “outro” estranho e ameaçador, e mais como um de nós - alguém tentando igualmente sobreviver num mundo cada vez mais complexo.Sobrevivência, aliás, árdua no interior das fronteiras estadunidenses. Se o “American way of Life” seduz, pela possibilidade uma vida material mais confortável, a resistência e fobia aos estrangeiros é igualmente manifesta, criando entraves à inserção do imigrante. Um drama bem mais denso do que o revelado pela telenovela global escrita por Glória Peres. Além do choque lingüístico, que provoca a dificuldade de comunicação, vem o alijamento simbólico pelo silenciamento e discriminação - os latinos, como afirmou Bernadete em entrevista ao Diário do Nordeste no ano passado, encabeçam a lista de imigrantes muitas vezes “vetados”, juntamente com árabes e africanos.Embore a imigração seja boicotada por muitos setores da sociedade norte-americana, não existe um consenso quanto a imposição de um maior controle à entrada de estrangeiros. “Os empresários precisam da imigração ilegal porque baixa os salários”, disse a professora. Por outro lado, a retaliação maior provém dos partidos de esquerda. “Em geral, eles são os mais fervorosamente contrários à livre circulação de pessoas porque temem o impacto que isso teria sobre o mercado de trabalho. Se todos os imigrantes fossem legalizados, haveria um crescimento absurdo do exército industrial de reserva, que baixaria os salários radicalmente e aprofundaria os conflitos já existentes nessas sociedades. A ilegalidade não deixa de ser um controle sobre essa situação”.Os mecanismos da discriminação, segundo Bernadete, são muitos e recorrentes, quase semelhantes ao padrão praticado no Brasil. “A diferença é que os americanos são mais sutis e polidos. Por exemplo, ao invés de torcer o nariz quando se encontra com alguém mais pobre ou mais escuro, eles se comportam como se o outro não existisse - eu mesma cheguei a duvidar da minha materialidade”.SERVIÇO: “Brasileiros nos Estados Unidos - Hollywood e Outros Sonhos” - Livro de Bernadete Beserra, lançamento hoje, às 19h30, na Livraria Oboé (Shopping Center Um - loja 207)

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